quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Alegria de ser discípulo

O Documento de Aparecida, fruto magnífico da V Conferência Geral dos Bispos da América Latina e do Caribe, maio de 2007, horizonte inspirador que a Igreja Católica redesenha para sua missão evangelizadora, tem sua abertura marcada com um convite com força de convocação. Este convite com força convocação se faz com a indicação da importância da alegria de ser discípulo. Esta é uma indicação que se localiza na contra- mão do entendimento vigente na sociedade contemporânea quando se trata de conquistar esta demanda e meta do coração humano, a alegria. Existe, na dinâmica da cultura contemporânea, com suas nuances próprias, um devaneio ilusório de que a alegria desejada e buscada se consegue na medida em que se conquista o lugar de mestre e não de discípulo. Sob a égide de ser mestre, isto é, melhor em tudo e do que todos, detentor de todo saber e poder, se articulam grandes defeitos da convivência humana e da eleição das prioridades, comprometendo a ordem social, política e relacional.
Esta dinâmica empurra os corações numa busca da alegria a todo custo. Um sacrifício enorme é imposto à condição humana. Um horror que não leva à conquista desta alegria que um discípulo pode ter. Como é impressionante constatar o alto nível de insatisfação das pessoas, projetando as lacunas de sua interioridade nas avaliações da realidade e a respeito dos outros. Uma insatisfação que incomoda e joga a pessoa numa busca desarticulada desta alegria. É uma loucura a ligação da busca da alegria com o instigante das estatísticas e dos números a serem conquistados. Terrível é a incapacidade de lidar com as expectativas frustradas ou a dificuldade de acompanhar processos na paciência indispensável de esperar desdobramentos e configurações para se atingir metas importantes.

Na verdade, é a busca da alegria por caminhos, métodos e modalidades que estão acionados pelas características deste terceiro milênio, como a rapidez, agilidade, multiplicidade, revelando inconsistências na interioridade das pessoas. Entre os jovens, vê-se o risco da desarticulação e da tendência a encontrar esta alegria a qualquer preço e até de qualquer maneira, com os riscos de escolhas comprometidas como é a dependência química e o desvario da permissividade sexual. Entre os mais vividos o risco do desânimo e do cansaço, até da desistência jogando a culpa nos outros e nos funcionamentos institucionais que não correspondem ajustadamente às próprias expectativas e necessidades. Um desafio para os mais velhos, fazendo brotar a amargura da lamentação e a sensação de tempo perdido ou do sentimento de desconsideração advindo da necessidade de um permanente reconhecimento pelos feitos; ou aquele risco da doce ilusão que faz pensar que o tempo bom, certo, das coisas adequadas é um tempo que já passou.

É fácil supor o peso de um clima assim sobre os ombros das crianças que na sua inocência vivem a vida, apontando, no entanto, que existe mesmo uma verdadeira alegria para o coração. É preciso buscá-la e encharcar a vida com esta alegria. Esta alegria tem uma fonte e é possível de conquistá-la. O Documento de Aparecida indica, esta é a alegria do discípulo. “A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa-nova do amor de Deus”. A condição de discípulo de Jesus Cristo é o caminho-fonte para esta experiência de conquistar e experimentar a alegria. Esta alegria não é gerada e contabilizada em números e funcionamentos, simplesmente. Suas raízes são mais profundas. Buscá-las é a garantia de experimentar esta alegria duradoura, uma resposta que qualifica o discípulo forte e lutador no seu trabalho, enfrentando problemas, perseverante nas lutas, sereno mesmo nos sofrimentos e perseguições. Esta alegria brota nos corações pela experiência e pela iluminação única que vem da consciência alegre do encontro com Cristo.

É oportuno ter presente o que disse o Papa Bento XVI no Discurso Inaugural da Conferência de Aparecida: “Se não conhecemos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a realidade se torna um enigma indecifrável; não há caminho e, não havendo caminho, não há vida e nem verdade.” Cultivar este encontro, pessoal e comunitário com Cristo, o Filho de Deus, encarnado e redentor, é, na verdade, o caminho da alegria verdadeira e duradoura. Esta alegria não se encontra simplesmente nisso ou naquilo, aqui e acolá. Mas, em Jesus Cristo. Esta consciência deve fecundar os afetos dos que n’Ele crêem, com práticas e exercitações diárias, conhecendo e encantados com o tesouro do Evangelho, alimentando e testemunhando a convicção honrosa: “Ser cristão não é uma carga, mas um dom”!

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, 53, arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte (BH)

Fonte: www.cnbb.org.br


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