Falece Dom Estevão Bettencourt
Faleceu no dia 14 de abril, no Rio de Janeiro, no mosteiro de São Bento, o monge beneditino, exegeta e teólogo brasileiro, Dom Estevão Bettencourt. O corpo foi velado no local e a Missa de corpo presente às 16 horas. Foi enterrado no dia 15/04 no Mosteiro de São Bento.
1. VIDA
Os elementos biográficos de D. Estêvão Bettencourt são aqui considerados em três etapas: do nascimento ao ingresso no Mosteiro de São Bento (A); do ingresso na Abadia do Rio aos estudos em Roma (B); do retorno de Roma até a presente data (C).
A. Do Nascimento ao Ingresso no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro
Flávio Tavares Bettencourt nasceu na cidade do Rio de Janeiro aos 16 de setembro de 1919, sendo seus genitores Antônio de Souza Bettencourt e Maria Tavares Bettencourt. Aos 9 de novembro de 1919 recebeu o sacramento do Batismo ministrado pelo Monsenhor Luiz Gonzaga do Carmo na Igreja Nossa Senhora da Glória (Laranjeiras). Fez sua Primeira Comunhão aos 15 de agosto de 1930, na Capela do Colégio de Nossa Senhora de Sion (RJ). Aos 4 anos de idade viajou com os pais para Paris, onde permaneceu até 1928 quando então regressou ao Brasil. Os estudos, iniciados em Paris no Lyceé Buffon prosseguiram no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, onde, de 1931 a 1935, fez o curso ginasial. Foi através do convívio diário com os monges - sobretudo com D. Pedro Candiota, D. Vicente Ribeiro e D. Tarcísio Silva Ferreira - que Flávio Bettencourt chegou a conhecer a vida monástica. Esses monges tiveram papel preponderante no crescimento de sua vida espiritual e na descoberta de sua vocação beneditina. Tendo já concluído o curso ginasial, ingressou no Mosteiro de São Bento a 1 de fevereiro de 1936.
B. Do Ingresso na Abadia do Rio aos Estudos em Roma
Decorridos sete meses de sua entrada, recebeu aos 6 de outubro de 1936 o hábito de noviço das mãos do Abade D. Tomás Keller e, em razão de sua devoção aos mártires da Igreja primitiva, teve como padroeiro onomástico o protomártir S. Estêvão. Emitiu seus primeiros votos monásticos a 7 de outubro de 1937 na sala capitular do Mosteiro; sua profissão temporária foi recebida pelo Prior D. Bento Martins. Desde a mocidade quer durante o curso ginasial no Colégio de São Bento, quer no período de seu noviciado, foi D. Estêvão um apaixonado pelos estudos. Ele é a figura típica do homem plenamente dedicado ao estudo. Imbuído do conhecimento do grego, do latim, do francês, do inglês e do alemão, ele foi mandado por D. Tomás Keller para Roma a fim de doutorar-se em Filosofia no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, onde permaneceu de novembro de 193 a janeiro de 1945. Chegou no Colégio de S. Anselmo a 1 de novembro de 193, iniciando logo o curso de Filosofia. Em julho de 1939 recebeu o grau de bacharel e, em seguida, presta exame de Licenciatura (De universa) aos 18 de maio de 1940.Pouco antes de iniciar o curso de Teologia, fez sua profissão solene em Monte Cassino aos 7 de novembro de 1940, nas mãos do Abade D. Gregório IX Diamare. Recebeu o diaconato aos 12 de julho de 1942, conferido pelo Arcebispo D. Aloísio Tráglia, na Basílica de Santo Antonio de Pádua, em Roma. A ordenação presbiteral realizou-se na igreja de S. Agnese na Piazza Navona aos 18 de julho de 1943, ministrada pelo mesmo Arcebispo que o fez diácono.Importante foi o seu contato com o monge beneditino D. Anselmo Stolz. Percebendo em D. Estêvão Bettencourt uma inteligência lúcida e profunda bem como sua formação monástica-espiritual, procurou com habilidade convencê-lo a fazer o doutorado em Teologia. Não obtendo êxito, resolveu escrever uma carta a D. Tomás Keller solicitando gentilmente que seu aluno D. Estêvão Bettencourt tivesse a permissão de doutorar-se em Teologia Dogmática. O pedido foi prontamente acolhido pelo Abade do Rio1.Assim, depois de ter iniciado o curso de Teologia em 1940, recebe o grau de bacharelado em 1942 e presta o exame de Licenciatura em julho de 1943. Em novembro de 1944 defende a tese de doutorado sobre Orígenes2, tendo como moderador D. A. Stolz. Em outubro de 1944 matriculou-se no Pontifício Instituto Bíblico de Roma para cursar algumas matérias, pois ele antecipara a redação e a defesa de sua tese de doutorado. Aos 21 de janeiro de 1945 apresentou-se a oportunidade rara de voltar ao Brasil devido à II Guerra Mundial.
C. Retorno de Roma
Aos 2 de fevereiro de 1945 chegou ao Rio. No Mosteiro realizou um Seminário sobre a Sabedoria Hipostática no Antigo Testamento sob a orientação do Abade D. Tomás Keller, a fim de completar os créditos necessários com a autorização do Pe. Reitor do Colégio de S. Anselmo. Iniciou-se então uma nova fase de sua vida, marcada sobretudo por uma intensa atividade no campo teológico, sempre associada à contemplação e ao ritmo do "ora et labora" de S. Bento. Assim podemos destacar três aspectos desse labor eclesial:
a) O ensino das ciências bíblicas e da teologiaDesde o ano letivo de 1945, D. Estêvão assumiu a cátedra bíblica na Casa de Estudos da Congregação que funcionava no interior da Abadia do Rio de Janeiro e que, como Escola Teológica da Congregação Beneditina do Brasil, passou a funcionar em sede própria no Mosteiro. Ao longo dos anos foi professor também de diversas disciplinas filosóficas e teológicas em várias Universidades e Institutos do Riop de Janeiro: na Universidade Santa Úrsula (de 1946 a 1980), na Pontifícia Universidade Católica (de 1958 a 1961 e de 1968 a 1974), na Universidade Católica de Petrópolis (de 1968 a 1978), no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro (desde 1985), na Escola Superior de Catequese "Mater Ecclesiae", na Escola "Luz e Vida" de Catequese, no Instituto Pio X do Rio de Janeiro (1957 e 1958).
b) Participação em cursos, simpósios e congressosAlém das aulas regulares durante os semestres acadêmicos, D. Estêvão Bettencourt participou de várias Semanas Bíblicas Nacionais promovidas desde 1947 pela Liga de Estudos Bíblicos (LEB) do Brasil3, bem como nas Semanas Teológicas organizadas pelo "Studium Theologicum" de Petrópolis. Na qualidade de representante da LEB, tomou parte na XX Semana Bíblica Italiana realizada no Instituto Bíblico de Roma de 23 a 28 de setembro de 1968. Foi também conferencista e debatedor nas quatro Semanas Internacionais de Filosofia, realizadas respectivamente em São Paulo (1972), Petrópolis (1974), Salvador (1976) e Curitiba (1978). Representou a Arquidiocese do Rio de Janeiro no IV Congresso Eucarístico Internacional realizado em Melbourne (Austrália) em 1973. Ainda nesse mesmo ano foi para Jerusalém aperfeiçoar-se em arqueologia bíblica na Escola Bíblica Franciscana e em exegese bíblica na Escola Bíblica dos Dominicanos. De 23 a 25 de junho de 1976 participou do I Seminário de Integração "Sistemas de Ensino-Comunidade do Estado do Rio de Janeiro" como representante da Universidade Santa Úrsula. Entre suas participações mais recentes em encontros internacionais, destacamos, por fim, o Congresso de Teologia realizado em Caracas (Venezuela) de 14 a 17 de fevereiro de 1988, onde apresentou a conferência intitulada "Jesus Histórico"4.
c) Outras atividadesEntre outras atividades importantes, salientamos as seguintes: Diretor do Instituto de Teologia da Associação Universitária Santa Úrsula em 195; Decano do Centro de Teologia, Filosofia e Ciências Sociais em 196 e 197; Vice-Reitor da Faculdade Eclesiástica de Filosofia João Paulo II desde 1981; Membro dos Conselhos Universitários e de Ensino e Pesquisa de 1976 a 1980; Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos desde 1974; Vice-Presidente da LEB de 1964 a 1967 e de 1975 a 1977; Consultor da Comissão Episcopal de Doutrinas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Membro da Comissão de Diálogo Judeo-Cristão da CNBB; Diretor Executivo das Escolas "Mater Ecclesiae" do Rio de Janeiro. Assinalamos, por fim, que desde 1982 é secretário da Instituição Communio e redator-chefe da revista homônima no Brasil, participando anualmente dos encontros internacionais organizados pela entidade.
2. A OBRA EXEGÉTICO-TEOLÓGICA
Tínhamos originariamente a esperança de que este festschrift incluísse uma bibliografia completa de tudo quanto D. Estêvão Bettencourt escreveu ao longo de 44 anos de cátedra. Esta empresa não foi possível porque ultrapassaria os limites deste [escrito]. Por essa razão decidimos elencar aqui todos os seus livros e artigos mais significativos, bem como seus cursos por correspondência e suas traduções. Não fazem parte deste levantamento suas recensões, suas cartas e seus artigos publicados nas revistas Pergunte e Responderemos5 (a não ser quando este período reproduza comunicações feitas em Congressos) e Em Comunhão6. Antes, porém, de enumerar seus escritos, convém ressaltar alguns aspectos de sua obra exegético-teológica:
O primeiro aspecto a destacar em toda obra de D. Estêvão Bettencourt é essencialmente este: fidelidade plena ao Evangelho tal como é professado pelo Magistério da Igreja. Em seus livros recorre sempre ao dado bíblico, aos Santos Padres e às diretrizes emanadas da Santa Sé, sem negligenciar as conquistas do método histórico-crítico (formgeschichte) aplicado à Bíblia. Suas obras sobre o Antigo e o Novo Testamento trouxeram imensos progressos para o Movimento Bíblico no Brasil7, de tal modo que foram leitura obrigatória para todos intelectuais católicos e teólogos brasileiros que se interessavam pelo estudo sério da Bíblia. Como estudioso e homem da Igreja, procura transmitir e explicar o depósito comum da fé. Todo seu labor teológico é plenamente um serviço eclesial. Na revista Pergunte e Responderemos nota-se não somente a preocupação de anunciar as verdades que pertencem à essência da fé católica, mas também o empenho pastoral em enfatizar que a Bíblia é a Palavra de Deus para o Povo de Deus. Além de apresentar o pensamento autêntico da Igreja em relação aos diversos ramos do saber (exegese, teologia, filosofia, antropologia, etc.), Pergunte e Responderemos aclara também as verdades fundamentais da fé quando estas são impugnadas por qualquer tipo de publicação. Até hoje esta revista continua a trazer informações atualizadas sobre questões bíblicas.
O segundo aspecto é o seu modo de fazer teologia sempre a partir de sua vivência espiritual. Ele realizou uma integração entre exegese científica e exegese espiritual, entre crítica e investigação teológica. Longe de se contentar com o estudo de aspectos secundários dos textos bíblicos, ele valoriza a mensagem que eles contêm: mensagem principal, que é uma mensagem religiosa, um apelo à conversão e uma boa nova de salvação capaz de transformar os homens, introduzindo-os na comunhão divina. Seu interesse pela significação teológica e religiosa da Bíblia se deve ao fato de que a Palavra de Deus é portadora de valores permanentes (conversão, fé, reconciliação). Sempre procura projetar em seus leitores que a Igreja de ontem e de hoje, com suas normas e ritos, é a expressão da iniciativa salvífica de Deus e o lugar privilegiado do encontro com Cristo e com o Pai. Ao mesmo tempo em que conduz os fiéis a um compromisso sério com a Igreja, D. Estêvão Bettencourt lhes incute também a esperança de uma vida póstuma que o anima continuamente em sua vivência de amor e doação a Deus, à Igreja e ao mundo.
Autor: D. Bento Silva Santos, OSBFonte: Coletânea Tomo I: Homenagem a D. Estêvão Bettencourt, OSB (Edições Lumen Christi, 1990, pp. 1-11
Um comentário:
A IGREJA PERDEU UM PATRISCA, UM HOMEM CHEIO DA GRAÇA DE DEUS E NÓS PERDEMOS UM PAI.
Postar um comentário